Após transformar uma experiência dolorosa em um poderoso manifesto de força e cura, o cantor e compositor Cayo Real apresenta o single “Com a Lírica”, uma canção que ressignifica o sangue, símbolo de dor, em energia vital, amor e resistência. O lançamento, que chega acompanhado de um videoclipe dirigido por Tatiana Accioly, é uma verdadeira celebração da vida, da coletividade e do poder da palavra.
Em entrevista à Conexão Magazine, Cayo fala sobre o processo de criação da faixa, que nasceu após um episódio de homofobia, e reflete sobre como a arte pode ser ferramenta de transformação e sobrevivência. Com uma sonoridade intensa, cinematográfica e profundamente emocional, “Com a Lírica” é também um convite para revisitar memórias com coragem e transformar feridas em potência.
Direto do Morro da Coroa, em Santa Teresa, o artista compartilha sua trajetória, suas referências e o papel da comunidade na construção de sua identidade artística. Entre reflexões sobre pertencimento, ancestralidade e liberdade, Cayo reforça o compromisso de fazer da música um espaço de cura e de resistência para todos que se reconhecem em sua história.
Com autenticidade e sensibilidade, ele reafirma o poder de cantar a própria dor e transformá-la em arte. “Minha lírica é a minha arma e a minha cura”, diz Cayo e, nesta entrevista, ele mostra exatamente o porquê. Confira:
Você vem do Morro da Coroa, em Santa Teresa. De que forma essa vivência periférica influencia sua música e sua arte?
Minhas letras, minha presença e minha estética carregam essa realidade: a ginga, a resistência, o deboche, a sensualidade e a verdade de quem vive intensamente cada esquina. A arte, pra mim, sempre foi uma ferramenta de sobrevivência e de afirmação, então trazer essa vivência pra música é quase natural. É minha forma de ocupar espaços e de contar histórias que geralmente são silenciadas.
Pra mim, vir da favela é uma grande fonte de inspiração e uma força que me impulsiona a permanecer resistente, sempre buscando novas oportunidades e olhando pro meu território com cuidado, tentando transformar a realidade ao meu redor. Eu sou o tipo de artista que defende principalmente o sonho — acredito que sonhar é essencial para qualquer mudança no mundo.
Por isso, meu trabalho fala tanto sobre expectativas, sonhos e oportunidades, sobre abrir caminhos pros seus e para si mesmo. Fala sobre olhar para as coisas que aconteceram na sua trajetória, tirar delas o melhor proveito e não permitir que elas te parem. Esse é o combustível que move minha arte e minha caminhada.

“Com a Lírica” ressignifica a dor em força coletiva. O que essa mensagem representa no Brasil atual, onde a violência contra a comunidade LGBTQIAPN+ ainda é alarmante?
Essa mensagem representa resistência e união em um contexto onde ser quem a gente é ainda significa estar em constante alerta. O Brasil continua sendo um dos países que mais mata pessoas LGBTQIAPN+, então transformar dor em força coletiva não é só um gesto artístico, é uma necessidade de sobrevivência e de afirmação.
“Com a Lírica” nasce desse lugar: de entender que nossas dores individuais ganham outra potência no processo de domá-las. É sobre tentar transformar o que nos fere em ferramenta de luta, poesia e presença.
Eu acredito muito que a arte tem esse poder de reunir, de criar espaços de acolhimento e de fazer com que nossas histórias não sejam apagadas. Quando eu canto, não é só sobre mim, é sobre a galera que veio antes, sobre quem está resistindo agora e sobre quem ainda vai chegar. É um ato político, afetivo e profundamente necessário no Brasil de hoje e vejo muitos outros artistas independentes realizando ações nesse viés.

O videoclipe traz símbolos ancestrais e de cura. Qual foi a intenção ao unir referências pessoais e coletivas nessa obra?
A ideia foi justamente criar uma ponte entre a minha história individual e a força coletiva que me sustenta. Esses símbolos ancestrais e de cura aparecem como elementos que me atravessam de forma muito íntima, mas que também fazem parte de uma memória compartilhada por muita gente da comunidade periférica e LGBTQIAPN+.
Eu quis mostrar que a cura não acontece só de forma isolada, ela pode ser construída em comunidade, no encontro com quem veio antes e com quem caminha ao nosso lado. Nossas redes também são símbolos que representam proteção, continuidade e resistência.
Ao unir referências pessoais e coletivas, eu afirmo que minha trajetória não existe sozinha: ela está entrelaçada a muitas outras histórias, lutas e afetos. O clipe também é uma forma de honrar essas conexões e transformar minha vivência em algo maior, que dialogue com quem assiste e desperte um efeito acolhedor e fortificante.
Sua carreira já soma nove singles. Como você avalia a sua evolução artística desde o primeiro lançamento até agora?
Eu vejo uma evolução muito grande, tanto artisticamente quanto pessoalmente. Cada música que lancei foi um passo importante para entender melhor quem eu sou como artista, qual é a minha voz e qual mensagem eu quero levar pro mundo.
Vejo que com o tempo, fui ganhando mais consciência criativa, mais domínio sobre os processos e mais clareza sobre a potência das minhas narrativas. Hoje, minhas composições têm mais camadas, minha performance está mais sólida e minha visão de futuro mais estruturada. Vejo que posso tudo.
Também aprendi muito sobre o mercado e sobre a importância de me posicionar com estratégia, sem perder minha essência. Olhar para trás e ver esse percurso me enche de orgulho, porque cada faixa carrega um pedaço real da minha caminhada — das vulnerabilidades aos momentos de força. Essa evolução é contínua, e sinto que estou só começando a mostrar a dimensão do que ainda quero construir.

No cenário cultural brasileiro, quais artistas ou movimentos mais dialogam com a sua trajetória?
Eu me inspiro muito em artistas e movimentos que carregam verdade, resistência e realidade . Me inspiro em pessoas e iniciativas que vêm de um lugar de transformação real através da arte.
Movimentos como Batalha dos Prazeres, Canta Teresa e Slam Renascer são fontes de poesia viva e resistência, são fundamentais pra mim — são espaços onde a gente consegue existir. Eles me lembram todos os dias que arte também é ferramenta de mudança social.
Artistas como Zappaz, Tata Ogan, King Saints, RZ’ Yvens, Kallina e Duquesa aquecem meu coração, cada pessoa à sua maneira. Essa galera tem coragem de contar suas histórias e me contagiam profundamente.
Também admiro muitos artistas visuais como Ruth Dias e tantas outras pessoas que estão fomentando uma cena cultural viva, diversa e pulsante. Além disso, admiro pessoas agitadoras culturais como a DúFrontyr, que celebram a diversidade, a segurança e a contemplação das nossas existências, e isso tem um valor imenso pra mim.
Eu me sinto muito orgulhoso de estar próximo a alguns artistas que são assim, o próprio Leyblack que produziu a faixa Com a Lírica me ensina e me mostra a cada trabalho a força e interferência que nossa dedicação possui. Isso fortalece minha trajetória e me lembra todos os dias que não estou sozinho nessa caminhada.

O que você espera que “Com a Lírica” desperte em quem a escuta?
Eu espero que “Com a Lírica” desperte força, reflexão e pertencimento. Que quem escuta consiga sentir a potência de transformar dor em resistência, e se reconhecer em algo maior do que a própria história individual.
Quero que a música seja um espaço de acolhimento e empoderamento, que mostre que nossas experiências, mesmo as mais difíceis, podem se tornar energia para catapultar novas conquistas. Que inspire as pessoas a se conectarem com suas próprias histórias, de forma que consigam a própria permissão para sonhar e lutar por seus caminhos, e que desperte coragem para ocupar todos espaços com firmeza e coragem.




































