Ao passo que a vida passa, Lua Cazul colhe frutos de uma carreira extensa com a dança, agora, na China. Aos 30 anos, a carioca, que mora há dois anos e meio em Shanghai, contribuiu com a expansão do Voguing (ou dança Vogue) em solos orientais. O estilo, que é uma expressão artística de resistência originada no Harlem, em Nova York, pela comunidade negra, latina e LGBTQIA na década de 1960, vem ganhando adeptos no Brasil nos últimos anos.
Origens
O Voguing é um tipo de dança de rua em que mescla passos e poses de revistas. Porém, engana-se quem crê que a origem veio de Madonna, quando lançou a música “Vogue”, em 1990. Numa época em que minorias eram excluídas da sociedade, presos tinham acesso a revistas de moda, consideradas “sem conteúdo”. Como um dos únicos meios de distração, as pessoas da comunidade reproduziam as poses das mulheres brancas das revistas e almejavam alcançar aquele status fora dos presídios. Em virtude disso, as revistas se tornaram referências do início desse movimento.
Luta e transformação
A partir dos estudos, Lua, que já atuava como bailarina há alguns anos, fundou a companhia artística Pioneer House of Cazul, junto de Diego Cazul, como grupo de pesquisa da cultura Ballroom e do estilo de dança Vogue. Tal movimento representa um lugar de troca de afetos, conscientização, politização e acolhimento. Uma comunidade onde há arte, cultura, dança, criatividade e família – seus criadores são conhecidos como “Mother” e “Father”, respectivamente.
O grupo passou a realizar rodas de conversa, palestras, exibições de documentários e workshops em espaço público, com contribuição voluntária ou gratuitos, com assuntos como educação sexual, prevenção e tratamento de ISTs.
Além disso, organiza atividades de ensino práticas e teóricas da Dança Vogue dentro de comunidades como o Complexo da Maré, Rocinha e Alemão, em espaços acadêmicos e consagradas escolas de dança como UFRJ, CEFTEM e Cia Livre de Dança, além de festivais de dança como o Street Dance Connection, Urban Charme e WDC Festival.
Atualmente, por conta da mudança de país, Lua e Diego tornaram-se Overall Mother e Father, respectivamente, mas ainda participam ativamente das tomadas de decisões, além de terem levado a Cazul para além do Brasil.
A partida
Em 2019, Lua recebeu um convite para participar do elenco de uma das maiores e mais renomadas rede de casas de show da China, a Dr Oscar. E o que seria um contrato de um ano, em várias cidades, se ampliou. Com a pandemia e as restrições impostas pelas entidades sanitárias, a bailarina acabou estendendo sua estadia. Na boate, ela teve oportunidades como dançarina solista, cantora, além de morar em cinco cidades diferentes.
Passado o contrato, veio a mudança para Shanghai e a oportunidade de lecionar aulas em studios da cidade e trabalhar como freelancer em performances e campanhas publicitárias. Assim, expandindo seus conhecimentos no oriente, Cazul começou a lecionar no Voguing Shanghai, um estúdio e plataforma de divulgação da cultura ballroom na China, onde faz parte do corpo de professores desde sua inauguração, além de ser jurada nas “balls” (eventos) organizadas por eles.
Segundo ela, a comunidade é recente, porém bastante potente.
– Nós estamos crescendo juntos! Em janeiro de 2020, fundei o capítulo chinês da Kiki House of Cazul, da qual sou Overall Mother. No momento, somos cinco integrantes – diz Lua.
A expansão acabou lhe rendendo projetos, como um workshop com professores da cena brasileira. Os professores, no Brasil, davam aula via internet, sendo transmitidas por um telão para os alunos, que acompanhavam ao vivo. Ainda, em parceria com a House of Kawakubo, House of Shaskya eHell de Janeiro, produziu duas mini balls em um bar brasileiro.
E ela não para!
– Tenho estudado bastante, feito aulas de diversos estilos pra aprimorar minha técnica e estudado canto com professores no Brasil. Estou com um projeto de show onde vou cantar e dançar, mas ainda está em fase de concepção – adianta.
Inspirada por nomes como Bob Fosse, Marta Graham e Willy Ninja, Lua sente falta de sua terra natal.
– Sinto muita falta do Brasil, mas ao mesmo tempo, creio que ficarei só por uma temporada quando voltar.
Definitivamente, nem mesmo o céu é o limite para ela.