Erick Galvão é uma figura multifacetada no cenário teatral brasileiro, atuando como ator e produtor com uma carreira marcada pela paixão pela arte e educação. Formado pela Escola SESC de Artes Dramáticas, Erick é fundador da Trupe Investigativa Arroto Cênico e já participou de mais de 30 festivais nacionais de teatro, além de integrar a produção de projetos contemplados pela Lei Aldir Blanc.
Recentemente ele estreou seu novo projeto “O Gênio da Lâmpada e o Tempo“, espetáculo que teve a primeira apresentação recentemente na Baixada Fluminense.
Em entrevista, Erick compartilha sua experiência e visão sobre o espetáculo, uma peça que aborda a influência da tecnologia na infância e a importância do resgate das brincadeiras tradicionais. Ele nos leva pelos bastidores da criação, desde a inspiração nas crianças de Nova Iguaçu até os desafios de equilibrar a função de produtor e ator. Confira a entrevista completa:
Como surgiu a proposta deste espetáculo?
A proposta do espetáculo surgiu dentro do ambiente acadêmico, para ser mais específico na matéria de Produção Cultural, na Escola Sesc De Arte Dramáticas, em Jacarepaguá.
A nossa professora pediu que criássemos um grupo para elaborar um projeto, e a cada semana apresentasse uma nova etapa. Criamos um grupo com pessoas que já tínhamos afinidade, e como eu já tinha em mente umas ideias do que trabalhar e fiz um esboço, bem resumido, e mostrei ao grupo. A galera topou na hora e aí demos início a empreitada artística, ao longo do processo eles foram colaborando com o “Gênio da Lâmpada e o tempo”.
Qual foi a inspiração para o desenvolvimento do espetáculo de “O Gênio da Lâmpada e o Tempo”? O que motivou a escolha do tema da influência da tecnologia na infância?
A minha maior inspiração foram as crianças. Eu passei a observar como elas brincavam e como lidavam com o seu tempo no dia a dia. E observando as crianças da minha rua, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, comecei a me atentar pra realidade delas, e como isso influenciava em suas brincadeiras. Depois comecei a investigar as vivências de crianças de outros lugares, que pertenciam a outras realidades bem diferentes, de lugares mais elitizados. Então, identifiquei as diversas infâncias que existem dentro do contexto social em que viviam e as variadas formas de brincar. E a partir daí comecei a viajar nessa ideia de um dia produzir um espetáculo que investigasse a infância e cotidiano das crianças e suas relações com as tecnologias atuais, e como elas lidam com seu tempo. Queria produzir uma peça que se comunicasse, não só com o público infantil, mas também com o público adulto, um espetáculo em que eles pudessem revisitar o passado, as suas memórias afetivas, acessar uma infância que permanece guardada em nós. Uma verdadeira viagem no tempo.
Como foi o processo de criação e produção?
O processo de criação foi muito prazeroso pra mim, desde o estudo teórico, exercícios de improviso, trabalho de expressão corporal, pesquisa de personagem até a estreia. Consegui reunir um elenco muito sincronizado e comprometido em contar essa história. O mais difícil é esse lugar do produtor que tem que virar a chave rápido pro ator entrar em cena, é tudo muito rápido e desgastante mas dá pra fazer! rsrs
Como foi dar vida ao personagem Zeca, que deseja reconectar seus amigos com as brincadeiras tradicionais? O que esse papel significa para você, pessoalmente e artisticamente? Conta um pouco sobre ele!
Dar a vida ao Zeca foi sensacional, a escrita da nossa dramaturga Karla Muniz Ribeiro nos dá infinitas possibilidades na construção de personagens, das cenas, um texto muito sensível e poético e de uma força gigantesca. Zeca carrega muitos sonhos, muitas coisas minhas. É uma criança Raiz, que gosta de estar com os amigos, de jogar bola, soltar pipa e brincar de pique, assim como fui na infância. Esse papel significa muito para mim artisticamente porque consigo trazer através do meu trabalho, muitas questões, pertencimento territorial, memórias afetivas, sonhos. É importante ter essa identificação de onde nós viemos, não esquecermos nossa origem é fundamental, é bom visitar nosso baú de memórias de vez enquanto.
Como foi trabalhar junto com toda a equipe nesse projeto, que tem um forte componente educativo e cultural?
É sempre bom trabalhar com pessoas que se identificam com você e tem um compromisso com a arte, educação e cultura. Artistas extremamente engajados e com essa responsabilidade de criar um mundo melhor.
Você sente que a peça conseguiu passar a mensagem que vocês queriam sobre a importância de equilibrar o uso da tecnologia na infância?
Acho que conseguimos nos comunicar com o público sim, e de uma forma muito saudável, sem querer demonizar a internet, mas sim mostrar para as crianças que também existem outras formas de se brincar e relacionar, não só apenas com os aparelhos tecnológicos. A ideia é buscar esse equilíbrio entre o mundo real e o virtual, se usarmos a nossa imaginação e criatividade podemos ir longe.
“O Gênio da Lâmpada e o Tempo” tem um componente educativo forte. Como vocês equilibraram a necessidade de educar o público sem perder o entretenimento e a magia do teatro?
Na verdade eu acho que a nossa missão não é educar as crianças, e sim mostrar as inúmeras possibilidades de se viver e a compreensão do mundo através do teatro, para que elas tirem suas próprias conclusões. Cada espectador tem a sua leitura sobre o espetáculo e as suas impressões e as crianças não são diferentes, são seres pensantes e extremamente inteligentes, não curto o teatro que subestima a capacidade da criança de pensar.
A peça resgata brincadeiras e cantigas populares. Qual a importância desse resgate para as novas gerações? Como vocês veem o papel do teatro na preservação dessas tradições culturais?
Acho extremamente importante o resgate das cantigas e das brincadeiras, é algo que não podemos perder, hoje em dia as relações parecem estar se esfriando e através desses resgates, é uma forma de aquecer essas relações, é importante para as crianças interagirem umas com as outras e socializarem, isso contribui significamente para o seu desenvolvimento.
A peça foi apresentada na Baixada Fluminense, uma região com uma rica diversidade cultural. Como essa localização influenciou a concepção e o desenvolvimento do espetáculo
A Baixada Fluminense, é um polo cultural movimentadíssimo, com muita arte. E a região influencia significamente para nosso projeto, na dramaturgia, as músicas, e outros elementos que fazem parte do espetáculo. Pensamos em um espetáculo a partir das vivências dessas crianças periféricas de Nova Iguaçu, local que é estigmatizado pela violência, mas esquecem que também tem muita arte e movimentos culturais que agitam o cenário cultural. Tínhamos duas opções de estreia, SESI Jacarepaguá e SESI Caxias, e nossa escolha por estrear em Caxias não foi por acaso. Era o mais próximo da nossa realidade! Viva aos artistas da baixada fluminense e outras periferias!
O que mais surpreendeu vocês durante as apresentações de “O Gênio da Lâmpada e o Tempo”? Houve alguma reação do público ou momento em cena que foi particularmente marcante?
O que mais me marcou foi a recepção do público com o espetáculo, o público foi bastante participativo e interativo ao longo da peça. Por se tratar de uma estréia, a gente não tem noção do que pode acontecer, nem o que está por vir, não sabemos como o espetáculo pode chegar no expectador, e quando a gente vê o público se envolvendo, se conectando e se reconhecendo com as questões levantadas, isso acaba deixando a gente mais confiante e flui cada vez melhor. Uma das cenas que mais me marcou, foi no final do espetáculo, quando O Zeca repete um monólogo do início do espetáculo, só que com algumas mudanças, ele faz o 3° e último pedido ao gênio, que é a liberdade. Ele pede a liberdade para o gênio, para que ele possa viver fora da lâmpada e ser livre e feliz. É um texto que eu me emociono muito fazendo, um momento que eu fico cara a cara com a plateia é incrível ver como eles estão vidrados e o quanto eles estavam emocionados com o texto.
Para ti como idealizador, como é ver este espetáculo finalmente estreado depois de um trabalho árduo de toda a equipe?
A sensação de ver mais um espetáculo estreado, é de alívio e também de missão cumprida por ter conseguido concluir mais uma etapa. Agora é trabalhar mais ainda para aperfeiçoar o espetáculo, porque ele nunca está pronto, a gente está sempre descobrindo coisas novas ao longo do tempo, para continuar se comunicando ainda mais com o público.